Se não o mais importante filósofo português da atualidade, o professor Eduardo Lourenço encabeça as discussões acerca da lusofonia e da identidade portuguesa pós-25 de abril. Sua linguagem vivaz, com tempero literário, emoldura reflexões maduras sobre o imaginário português contemporâneo e as perspectivas de estreitamento comunitário entre os países de expressão oficial portuguesa. A série de ensaios intitulada "A nau de Ícaro" (Portugal em si) somada a série "Imagem e miragem da lusofonia" (Portugal em relação a seus outros) recupera questões-chave como a saudade (palavra-mito da cultura portuguesa), o Quinto Império (ecos da velha utopia imperialista, "um pequeno povo de extravagante destino"), a emigração portuguesa no passado e no presente (Portugal como navio-nação), a "língua como pátria" pessoana e o "terceiro sertão" rosiano. Cabe destacar a discussão acerca das relações entre Portugal e Brasil, e seus dois discursos inconciliáveis em torno de uma dita história em comum: a postura brasileira de se imaginar um país pai de si mesmo, a fim de apagar o incômodo período colonial, e a mirada unicamente portuguesa, exagerada e onírica, de ver no Brasil um prolongamento bem sucedido de si mesmo.
"A 'ocidental praia lusitana', a parcela de terra franjada de azul entre Castela e o que então se chamava 'o mar oceano', empurrava-nos para essa travessia dos mares desconhecidos, celebrada à saciedade no nosso poema nacional Os lusíadas. Mas, uma vez terminada a aventura, desfeito o império da história, transformado numa mera carga de sonhos o precioso comércio com o Oriente, restava-nos como herança um Portugal pequeno e um imenso cais, onde durante séculos relembramos a nossa aventura, numa mistura inextricável de autoglorificação e de profundo sentimento de decadência e de saudade. [...] Este tempo profundo da nossa história de povo-saudade não apenas, nem essencialmente, um tempo passado, constituindo antes uma espécie de eterno presente, [...] lembrando-nos que a nossa presença histórica e a nossa língua permanecem no Brasil, na África, na Ásia (p. 58) a nossa aventura colonizadora [...] Há em nós muito excesso de memória mitificada (p. 59) [...] a máscara dourada da nossa impotência presente (p. 67)".
"Nem como língua, nem como cultura, nem como ficção, o imaginário lusófono se nos define hoje os tão celebrados termos camonianos de uma só alma pelo mundo em pedaços repartida. O imaginário lusófono tornou-se, definitivamente, o da pluralidade e da diferença e é através dessa evidência que nos cabe, ou nos cumpre, descobrir a comunidade e a confraternidade inerentes a um espaço cultural fragmentado, cuja unidade utópica, no sentido de partilha comum, só pode existir pelo conhecimento cada vez mais sério e profundo, assumido como tal, dessa pluralidade e dessa diferença (p. 111)".
"A 'ocidental praia lusitana', a parcela de terra franjada de azul entre Castela e o que então se chamava 'o mar oceano', empurrava-nos para essa travessia dos mares desconhecidos, celebrada à saciedade no nosso poema nacional Os lusíadas. Mas, uma vez terminada a aventura, desfeito o império da história, transformado numa mera carga de sonhos o precioso comércio com o Oriente, restava-nos como herança um Portugal pequeno e um imenso cais, onde durante séculos relembramos a nossa aventura, numa mistura inextricável de autoglorificação e de profundo sentimento de decadência e de saudade. [...] Este tempo profundo da nossa história de povo-saudade não apenas, nem essencialmente, um tempo passado, constituindo antes uma espécie de eterno presente, [...] lembrando-nos que a nossa presença histórica e a nossa língua permanecem no Brasil, na África, na Ásia (p. 58) a nossa aventura colonizadora [...] Há em nós muito excesso de memória mitificada (p. 59) [...] a máscara dourada da nossa impotência presente (p. 67)".
"Nem como língua, nem como cultura, nem como ficção, o imaginário lusófono se nos define hoje os tão celebrados termos camonianos de uma só alma pelo mundo em pedaços repartida. O imaginário lusófono tornou-se, definitivamente, o da pluralidade e da diferença e é através dessa evidência que nos cabe, ou nos cumpre, descobrir a comunidade e a confraternidade inerentes a um espaço cultural fragmentado, cuja unidade utópica, no sentido de partilha comum, só pode existir pelo conhecimento cada vez mais sério e profundo, assumido como tal, dessa pluralidade e dessa diferença (p. 111)".
LOURENÇO, Eduardo. A Nau de Ícaro e Imagem e Miragem da Lusofonia. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.