Literatura, Cinema e Televisão





Trata-se de uma introdução didática aos estudos das relações entre literatura-cinema-televisão. Escolhi-o como primeira pedra de toque dos estudos de literatura e cinema por ser a consolidação em livro de um curso nesse sentido oferecido no Brasil. Livro de ensaios resultantes de cinco minicursos realizados entre julho e agosto de 2001, através do programa Rumos Itaú Cultural de Literatura, que entre 2000 e 2002 ofereceu (e depois publicou em livro) uma série de minicursos a respeito das relações da literatura com outras artes e mídias.

Os cinco autores – Tânia Pellegrini, Randal Johnson, Ismail Xavier, Hélio Guimarães e Flávio Aguiar – são professores com formação que intercruza as letras e o cinema e procuram traçar, cada um a seu modo, as relações entre literatura, cinema e televisão não apenas discutindo os aspectos teóricos fundamentais do estudo comparado entre esses fenômenos culturais, mas fazendo ricas análises (exemplares) de casos específicos. Além disso, todos eles primam por uma linguagem didática e acessível ao grande público, mas não abrem mão de conduzir discussões e análises experientes e complexas.

No ensaio de abertura, “Narrativa verbal e narrativa visual: possíveis aproximações”, Pellegrini procurará dissertar sobre as mudanças que a literatura (os textos literários) sofreu em decorrência das transformações tecnológicas, sobretudo do advento da fotografia e do cinema. Seu enfoque é primordialmente histórico: parte das narrativas realistas do século XIX e vem mostrando como os estruturantes básicos da narrativa literária – tempo, espaço, narrador e personagem – foram se modificando em face das características próprias da narrativa cinematográfica. Por exemplo, o cinema deflagrou a não-linearidade e não-irreversibilidade do tempo, que pode parar, inverter-se, prolongar-se, e a literatura do século XX incorporará essa instabilidade do tempo através do desenvolvimento do seu recurso de colagem, do qual um exemplo primoroso em nossa língua é Memórias sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade.

No ensaio seguinte, “Literatura e cinema, diálogo e recriação: o caso de Vidas Secas”, Johnson pensa a questão da intertextualidade e faz uma suscita cartografia das várias interações entre literatura e cinema: filmes sobre escritores, documentais e ficcionais, o caso das cinebiografias; alusões literárias orais, visuais ou escritas, quer sejam explícitas quer não, em filmes; o roteiro, como ligação mais direta com a literatura, principalmente quanto é publicado no formato livro; as influências cinematográficas da literatura moderna e contemporânea; e, claro, as adaptações fílmicas de obras literárias e vice-versa. Focalizando o problema das adaptações de literatura em cinema, Johnson rediscute a clássica questão da fidelidade, que apesar de parecer obsoleta não pode fugir de nosso horizonte, porque é sempre comum críticos de adaptações cair no lugar comum de colocar a obra-referência como superior a suas adaptações usando como argumentos apenas procedimentos de análise advindos dos estudos literários. Vale sempre ressaltar que a obra adaptada deve ser julgada também pela sua riqueza em comparação com outras obras artísticas do mesmo gênero, segundo os valores de seu próprio campo e pelas relações que estabelece com a sua realidade, com a sua sociedade, com seus espectadores e quiçá com outros campos artísticos. A análise que Johnson faz de Vidas Secas é exemplar nesse sentido, além de evidenciar características caras ao romance de Graciliano.

Em seu ensaio, “Do texto ao filme: a trama, a cena e a construção do olhar no cinema”, Xavier traça um panorama acerca da adaptação e esclarece de que maneira (e até que ponto) conceitos da teoria literária (fábula e trama, perspectiva, tell e show, modo épico e modo dramático) são aplicáveis ao estudo de cinema, principalmente quando são ferramentas de análise da narrativa, e podem ser também aplicados ao estudo de peças teatrais. Em toda forma de expressão, o fato de estar presente o ato de narrar permite o uso das categorias comuns na descrição dos elementos que organizam a obra em aspectos essenciais. Recorre, em seguida, às adaptações (ou encenações via cinema) de peças de Nélson Rodrigues para colocar essas ferramentas em ação, e mostrar como elas podem contribuir para o aprofundamento de questões suscitadas por cada obra. A perspectiva dialógica é privilegiada, de modo a evidenciar como os filmes se aproximaram de seus textos-referência sem se afastarem de seus próprios contextos e público. 

“O Romance do século XIX na televisão: observações sobre a adaptação de Os Maias” é o título do ensaio de Guimarães, em que ele discute a seu modo a questão da intertextualidade e da adaptação, mostrando que toda obra de arte pode criar uma rede quase infinita de referências, já que as artes são criadoras de mitos, sempre possíveis de ser recontados por outros artistas. A questão da fidelidade também o inquieta, denunciando a falsa hierarquia que envolve livro, telão e telinha, a partir da tese de que todo produto cultural, mesmo adaptando de outro, dialoga primordialmente com seu público e sua época. Sobre a minissérie Os Maias, faz uma análise minuciosa, interessado em evidenciar como o olhar da câmera, inserido em uma cultura outra, recria o olhar descritivo realista do escritor do XIX. 

No ensaio final, “Literatura, cinema e televisão”, Aguiar fala de sua experiência em ocasião do atentado de 11 de setembro ao WTC, recorrendo a essa memória recente para mostrar como os procedimentos de fabulação (folhetinesco no caso das narrativas sobre o atentado) perpassam os discursos humanos, inclusive àqueles sobre a "vida real", e que portanto não é de se estranhar as similaridades discursivas e fabulativas da literatura, do cinema e da televisão. As telenovelas se aproximam muito da estrutura episódica e melodramática dos romances literários, Aguiar demostra isso em análise a uma minissérie da Rede Globo adaptada de Grande sertão: veredas. Menciona, ainda, que assim como as telenovelas e as minisséries televisivas se aproximam dos folhetins e dos romances, os filmes de cinema se aproximam do conto, primam pela intensidade e concentração próprias do gênero tão bem cultivado por Edgar Allan Poe.


PELLEGRINI, Tânia; JOHNSON, Randal; XAVIER, Ismail. GUIMARÃES, Hélio; AGUIAR, Flávio. Literatura, cinema e televisão. São Paulo: Senac; Itaú Cultural, 2003.