Retórica


A tradição retórica e poética dominou a reflexão literária entre os séculos V a.C. e XIX, seja como modelo a ser seguido ou como preceito a ser contestado, e ainda hoje os textos aristotélicos sobre esses assuntos são obras basilares da teoria literária. Aristóteles expõe, na Retórica (~335 a.C), seus estudos sobre o discurso, os gêneros textuais e a gramática da língua, trabalhando alguns conceitos importantíssimos de sua teoria linguística, como a noção de ethos, pathos e logos; de lugar-comum (topus) e de arte (tékhne).

Para o mentor alexandrino, a técnica retórica sofista pode ser útil quando usada em auxílio da justiça. Sem ela, a verdade pode ser derrotada em um debate, mas com ela a verdade estará sempre à frente da mentira. Mesmo valendo-se desse argumento, deixa claro que a redefinição e esquematização da técnica retórica tem fins acadêmicos e não a elaboração de textos propriamente dita (como ferramenta sofística). Não elabora, portanto, uma técnica discursiva mas uma teoria estilística.

A retórica é definida como a "capacidade de descobrir o que é adequado a cada caso com o fim de persuadir", tendo "por objetivo formar um juízo". No clássico Introdução à retórica, Reboul vai defini-la como "arte de persuadir pelo discurso", entendendo discurso como toda produção verbal com início e fim e que apresente certa unidade de sentido.

Na posse de um conjunto de provas inartísticas (testemunhos, confissões, documentos, discursos anteriores, outras situações similares) o orador precisa elaborar provas artísticas (retóricas, textuais) para tornar irrefutável a verdade que está defendendo. A técnica retórica auxilia esta elaboração, já que também depende do talento do orador, pois lhe ensina preceitos e organiza discursos-modelos a partir de exemplos bem sucedidos.

E é dos pormenores desta técnica que o livro trata, trazendo, ainda, uma terceira parte em que ensina a estrutura ideal de um texto argumentativo: proêmio (finalidade), tópicos de refutação, narração (problema), prova e demonstração (argumentos), interrogação e epílogo (conclusão). A tradição oratória latina, segundo Reboul, irá substituir essa estrutura pela divisão triádica tese (argumento principal), antítese (contra-argumento) e síntese (exemplos e conclusão).

Dos estudos de retórica interessa-nos particularmente as reflexões acerca da memória, uma das qualidades essenciais do orador e também um dos momentos de elaboração do discurso retórico, que são, a saber: invenção, disposição, elocução, memória e ação.

A invenção (inventio) é a fase em que se procura os temas (topoi) relacionados ao objeto a ser exposto. Na Idade Média foram estabelecidas questões básicas a serem respondidas neste momento: quem, o que, onde, com que, por que, como, quando. A disposição (greg. taxis, lat. dispositio) é a fase em que o orador organiza a apresentação de suas ideias e escolhe as diferentes estratégias de convencimento. A elocução (lexis, elocutio) é a fase que corresponde à passagem (adequada) das ideias (res) para as palavras (verba) correspondentes, dá-se a construção do texto. A ação (hypocrisis, pronunciatio) é a última fase, em que o orador finalmente declama seu discurso, com entonação precisa, linguagem gestual coerente e velocidade da fala bem modulada (volume, altura e ritmo adequados).

A memória, enquanto fase, segue a elocução, que o orador deve memorizar. A arte retórica desenvolve uma complexa teoria de memorização, a ars memoriae ou mnemotécnica. É também um recurso de que o orador deve se valer o tempo todo, recorrer à memória coletiva a fim de se aproximar do público. “Quando as pessoas não têm memória do passado, visão do presente nem adivinhação do futuro, o discurso engenhoso tem todas as facilidades” (Górgias, Les présocratiques, apud Reboul).


Indicação bibliográfica:
ARISTÓTELES. Retórica. Ind., trad. Manuel Andrade Júnior, Paulo F. Alberto e Abel N. Penha. Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1998. (Clássicos de Filosofia).
REBOUL, Olivier. Introdução à Retórica. Trad. Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

Obs.: Indico também uma clássica aplicação modelar da arte retórica
CÍCERO. Em defesa do poeta Árquias. Trad. Maria Isabel R. Gonçalves. 2. ed. Lisboa: Editorial Inquérito, 1991.