A literatura através do cinema




"De maneira geral, A literatura através do cinema oferece uma história da tradição do romance por meio de suas re-visões fílmicas, enfatizando as complexas mudanças energéticas e sinergéticas envolvidas na migração trans-mídia. Ao invés de seguir um só modelo, minha abordagem analítica será flexível, 'adaptada' às qualidades específicas de cada filme e romance. Empregando simultaneamente a teoria literária, teoria midiática e estudos (multi)culturais, adotarei múltiplas estruturas - uma espécie de cubismo metodológico -, a fim de esclarecer as relações entre o romance e o filme de uma maneira que é, espero, rica, complexa e multidimensional" (p. 41).

Com essas explicações, o professor Robert Stam (New York University) encerra o texto de introdução desse seu livro que é uma coletânea de leituras críticas de grandes adaptações fílmicas de clássicos da literatura ocidental. Formado em literatura comparada, Stam segue o preceito da disciplina de lidar apenas com textos escritos em línguas que se possa ler no original, por isso, seu recorte dos clássicos da literatura ocidental é pautado em seu repertório linguístico: inglês, francês, português e espanhol.

Discute, entre outras, adaptações magistrais de Dom Quixote, Robinson Crusoé, As aventuras de Tom Jones, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Madame Bovary (e de sua versão portuguesa Vale Abraão), A Hora da Estrela e a relação entre nouvelle vague e cine-romans. O esforço do livro é empreender reflexões sobre obras-modelo da cultura e do imaginário globalizado contemporâneo, sem voltar à crítica eurocêntrica canônica que tende a traçar a história da arte do norte ao noroeste, desconsiderando (ou esforçando-se por apagar) o caráter multirracial e multilíngue da literatura que tradicionalmente se nomeia por ocidental.

Na Introdução, Stam discute questões fundamentais da teoria da adaptação: como o sempre complexo problema da fidelidade (retomando brevemente a teoria sistemática que procurou desenvolver em seu artigo "A teoria e a prática da adaptação", inserido no livro Literature and film e publicado em português na Revista Ilha do Desterro da UFSC); a classificação por gêneros (que o cinema herda da literatura, segregação do público); a magia e o realismo na literatura e no cinema (marcando escolas, diferenciando tendências e estilos); e o dialogismo multicultural entre a Europa e seus outros (de maneira a evidenciar fricções antigas a fim de construir um olhar mais policêntrico e multiperpectivista sobre os filmes e os livros que se vai analisar).

Acerca da noção de fidelidade, propõe que ela seja substituída pelo tropo da adaptação como uma leitura do romance-fonte e, por isso, inevitavelmente pessoal e diferente, reveladora de um dialogismo intertextual. Desse modo, não é necessário abandonar uma abordagem comparativa que evidencie as semelhanças e diferenças entre adaptação e texto-fonte, capaz de buscar, por exemplo, indícios formais do porquê uma determinada adaptação foi mais bem-sucedida que outra. Com essa mudança de perspectiva, não se vira às costas para uma longa tradição crítica e, ao mesmo tempo, se progride no esforço de adotar uma postura menos restrita, não-discriminatória e criticamente coerente sobre um determinado filme adaptado.


STAM, Robert. A literatura através do cinema. Realismo, magia e a arte da adaptação. Trad. Marie-Anne Kremer e Gláucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008.