Amora (1973) diz que com a Renascença (séculos XVI e XVII) a teoria literária teve um significativo desenvolvimento, por conta da necessidade de se reafirmar os valores greco-latinos em oposição à tradição medieval, então apontada como medíocre; e que a partir dela se fixaram os preceitos fundamentais da produção literária neoclássica.
Neste contexto, a Arte Poética (1674) de Boileau aparece como modelo mor da estilística árcade, uma verdadeira pedra de toque da teoria das belle lettres. Claramente inspirado na Ars Poetica de Horácio e escrito em versos, o livro é dividido em quatro cantos. No primeiro são traçadas as características primordiais de um bom poeta (no sentido clássico do termo), sendo a razão o guia da boa arte. No canto segundo expõe-se as qualidades internas do poema agradável, cuidando principalmente dos elementos do estilo pastoril. No canto terceiro discorre-se longamente sobre os gêneros dramáticos, com ênfase para a tragédia. E no canto quarto são resumidos os principais tópicos tratados e sintetizadas as principais ideias de Boileau sobre a arte da escrita literária.
A seguir, esquematizamos os pontos principais desse longo e belíssimo poema metalinguístico e programático:
A seguir, esquematizamos os pontos principais desse longo e belíssimo poema metalinguístico e programático:
- O talento do poeta é nato (“furor divino”, “espírito valente”) e não pode ser forçado, quer por sua vontade ou por vontade alheia.
- Cada autor tem inclinação para um gênero, o único em que encontrará facilidades, e deve saber reconhecê-lo para não “afogar-se em tormentosos mares”.
- O poeta deve encontrar o metro certo para si, próprio ao gênero e ao tema que quer desenvolver. Cuidando para que “nunca a rima ao conceito se adiante”.
- Elogio à razão, o guia das belas artes. Deve-se evitar o “monstruoso ornato”, o excesso e a afetação, pois “a demasia he chea de ignorancia”. O discurso deve, assim como o ritmo, ser uno e contínuo.
- O verso deve ser natural e não pomposo, “assim o humilde estilo que namora se há de ver nos Idilios elegantes”.
- Conserve apenas os estilos “mais graciosos” entre os modelos antigos, evitando a emulação de gêneros e obras menores.
- O escritor precisa ter senso crítico afiado e não pode abrir mão de colocar a boa crítica a auxílio de seu desenvolvimento. Como Horácio orientava, Boileau ressalta a importância de submeter os escritos a amigos confiáveis, “crede mais os concelhos, que os louvores”.
- Não há assunto que não caiba à poesia, mas é trabalho do poeta torná-lo interessante, uno e crível.
- O poeta deve fazer pesquisa prévia sobre o assunto que canta, e assim ser capaz de colocar a ação no lugar certo e não ser confuso em suas descrições, “não queirais que o incrivel se examine”.
- A poesia não sofre de autor mediano, como já dizia Horácio, ou se é bom ou mau poeta.
As ideias de Boileau inspiraram a maioria dos artistas neoclássicos, pois, nesse período, a produção teórica influenciava real e diretamente a produção artística. Além disso, elas tiveram grande repercussão até o século XIX, que o canonizou renegando-o. O conto “Os Canibais” (1866), de Álvaro do Carvalhal, para dar um exemplo disso, inicia da seguinte forma: “Disse a crítica pela boca de Boileau: Rien n’est beau que le vrai [trad. Nada é belo senão o verdadeiro], e não tardou que as fábulas, arabescos exóticos e exageros, oriundos principalmente dos tempos heróicos, perdessem toda a soberania dantes exercida na ampla esfera das boas-letras”. E o narrador aperceptivo prossegue explicando porque irá de encontro a essa tradição, o que lhe fascina nos contos de fadas. Apesar de não seguir a maioria dos preceitos de Boileau, e mesmo zombar deles, carregando propositalmente a narrativa e linguagem de exageros e excessos, Carvalhal segue uma de suas principais lições: elabora uma sátira moderada, bela crítica à alta sociedade, e um conto de fadas que não chega a entrar na esfera do maravilhoso, permanecendo no nível do fantástico.
Indicação bibliográfica:
BOILEAU-DESPRÉAUX, Nicolas. Arte poetica. Trad. Conde da Ericeira. Lisboa: Typografia Rollandiana, 1818.